Dormir bem é algo que se torna cada vez mais difícil para uma grande parcela dos brasileiros. Nesta sexta-feira (17), Dia Mundial do Sono, especialistas chamam atenção para pontos importantes da insônia, inclusive como identificá-la.
Um estudo conduzido por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), publicado no ano passado, mostrou que 65,5% da população brasileira relatam problemas associados ao sono, principalmente as mulheres.
Primeiramente, é fundamental diferenciar a insônia aguda da insônia crônica.
“Qualquer um de nós, quando exposto a uma situação adversa que pode representar um estresse, podemos realmente ter uma noite maldormida, uma dificuldade para dormir uma noite ou outra. Isso pode ser um episódio agudo”, explica a neurologista Dalva Poyares, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e integrante do corpo clínico do Instituto do Sono.
O problema é que se o estresse for constante, algo muda na forma como o nosso cérebro funciona, acrescenta o psiquiatra Marco Abud, fundador do canal Saúde da Mente, no YouTube.
“Todo mundo nasceu sabendo dormir. O que acontece é que o nosso corpo é altamente adaptável. Como o ambiente está colocando algumas vezes que não se deve dormir, ele vai se adaptar. […] Se a insônia durar mais de três meses, pelo menos três vezes por semana, isso faz com que o cérebro entre em um condicionamento. A gente aprende, por rotina, a não dormir. E aí existe uma série de fatores que regulam o sono, o corpo se adapta. Isso faz com que a pessoa comece a ficar preocupada com o sono, deita e não dorme.”
A insônia pode ser a dificuldade para iniciar o sono, para mantê-lo ou despertar muito mais cedo do que deveria.
O recomendado é que adultos durmam entre 6 horas e 9 horas por noite. Um período menor do que 6 horas acarreta alguns problemas de saúde, principalmente após esses três meses iniciais.
Os principais sintomas de insônia crônica, segundo Dalva, são:
• Distúrbio de funcionamento durante o dia;
• Cansaço;
• Mal-estar;
• Fadiga mental;
• Sonolência (o que não significa conseguir dormir durante o dia);
• Alterações de humor;
• Alterações de memória, concentração e atenção;
• Sintomas de depressão (a longo prazo).
A médica ainda pontua que observar como você se sente ao acordar é algo que ajuda a diagnosticar a insônia.
“A pessoa que tem insônia tem muita insatisfação com o padrão de sono. Ainda que ela tenha ido deitar no horário regular, isso não garante que ela vai ter um bom sono”, diz.
O que fazer?
Quando identificada na fase aguda, a insônia pode ser tratada até mesmo sem medicamentos, por meio da TCC-I (terapia cognitivo-comportamental para insônia).
“Terapia é um treino; cognitivo tem a ver com concentração, pensamento; e comportamental tem a ver com hábitos. Basicamente, é treinar pensamentos que surgem e podem atrapalhar você de dormir e, principalmente, hábitos que você tem que mudar, de uma forma repetitiva, à medida que você consiga favorecer os mecanismos que o corpo já tem para dormir”, explica Abud.
Essa abordagem pode ser feita por um psicólogo ou psiquiatra, mas Dalva ressalta que são poucos especialistas hoje no Brasil habilitados.
Muita gente acaba recorrendo a medicamentos para dormir, algo que pode agravar quadros de insônia. Os fitoterápicos podem ser uma opção em um primeiro momento, mas o psiquiatra ressalta que não são inofensivos.
“Por mais que a gente coloque que são naturais, eles interagem com outros remédios também. Não é que é algo sem nenhum tipo de ação, eles podem ter uma interação que, às vezes, requerem alguns cuidados. Se você já toma outras coisas, obrigatoriamente, tem que falar com seu médico.”
Dalva chama atenção para outro ponto que também precisa ser considerado por pacientes e médicos. Muita gente tem queixa de que demora para pegar no sono, mas isso não representa necessariamente insônia.
“A gente tem que tomar muito cuidado com a queixa de iniciar o sono, porque pode ser distúrbio do ritmo circadiano. Existem pessoas que têm atraso de fase, são obrigadas a dormir mais cedo do que a sua hora biológica e acabam desenvolvendo uma insônia, consumindo remédio para dormir”, completa a especialista.
Insônia e outras condições de saúde
A maioria das pessoas que sofre de insônia tem alguma outra questão física ou mental associada, sugerem estudos. Segundo Dalva, são em torno de 60% dos casos.
Esta é a chamada insônia comórbida, que pode aparecer junto com ansiedade, depressão, dor crônica, em pacientes fazendo tratamento contra o câncer, com distúrbios da tireoide, cefaleia, bruxismo, etc.
“A doença e a insônia têm que ser tratadas, porque uma agrava a outra. Se você continua dormindo mal, piora a dor, piora o humor, piora a ansiedade…”, afirma ela, observando que não se fala em causa e consequência, já que pode-se tratar a ansiedade, por exemplo, e a insônia continuar.
Medicamentos
Sem a abordagem adequada para a insônia, muita gente acaba tomando medicamentos que não deveriam ser usados – ou deveriam ser por um curto período.
O SUS, por exemplo, não fornece remédios específicos para insônia, apenas benzodiazepínicos, como o clonazepam, que tem um efeito sedativo, mas não é indicado para dormir.
Médicos podem recorrer a medicamentos para garantir algum conforto a pacientes com queixas de insônia crônica. Atualmente, existem drogas com um bom grau de segurança e baixo potencial de vício, esclarece Dalva.
“Em muitos casos, em uma insônia mais grave, é melhor você medicar com o melhor medicamento possível para aquele caso e, em paralelo, fazer a terapia cognitivo-comportamental para insônia, quando ele tem acesso. É o cenário ideal para muitos casos. Mas estima-se que cerca de 20% não respondem à terapia cognitivo-comportamental. E estima-se que a remissão da insônia com a terapia cognitivo-comportamental ocorre em cerca de 40%. Tem um limbo aí no meio que são pessoas que vão precisar de remédio.”
Embora os remédios façam a pessoa dormir, Abud frisa que “não existe até o momento nada que imite o sono natural”.
“Nenhum tipo de suplemento ou remédio vai conseguir imitar [o sono natural]. O remédio ou suplemento podem te dar um conforto até que seja possível você reorganizar seus hábitos e o ambiente para resgatar a capacidade de dormir”, diz o psiquiatra.
Bons hábitos podem ajudar
Casos mais severos de insônia precisam de acompanhamento médico, mas muitas pessoas que sofrem de insônia esporadicamente podem se beneficiar de mudanças de hábitos que ajudam a regular o sono.
“A gente tem que sincronizar o nosso relógio biológico. Sair da rotina é bom desde que tenhamos rotina. O nosso maquinário biológico foi feito para ter rotina. Uma grande parte das funções biológicas são funções circadianas, que têm a ver com essa oscilação de luz solar que a gente tem”, afirma Marco Abud.
A recomendação dele é acordar todos os dias no mesmo horário, “de preferência, antes das 9h”, e permanecer exposto à claridade solar por meia hora – pode ser na janela, sacada ou quintal.
“A luz solar tem uma intensidade que, incidindo na retina durante um tempo, é fundamental para fazer com que a melatonina seja metabolizada, que vá tirando ela do corpo de manhã, e para a produção das nossas monoaminas, principalmente a serotonina e a dopamina. Temos um núcleo supraquiasmático que produz isso na presença de luz no nervo óptico. Não é a luz da vitamina D, é a luz na retina, mas não é para olhar diretamente para o sol”, complementa o médico.
Dalva Poyares concorda que “ter uma regularidade é um dos pilares da saúde do sono”, mas chama atenção para uma questão específica.
“Isso [regularidade] não quer dizer dormir cedo e acordar cedo. Depende da pessoa. Tem gente que fala: ‘eu tenho que dormir às 22h’. Não. Se o seu horário biológico for meia-noite, você vai dormir perto da meia-noite. Se deitar às 22h, vai vivenciar uma demora [para adormecer]. Mas ter uma regularidade é importante, ainda que seja mais tarde, e ter um número mínimo de horas.”
Atividades físicas, que não sejam feitas muito próximas ao horário de dormir, e uma alimentação equilibrada também são descritos como hábitos que contribuem para melhorar o sono.
Além disso, é importante evitar cafeína à noite e as telas que emitem luz azul (celulares, TV, tablets), já que estes dispositivos transmitem para o cérebro a sensação de iluminação diurna e inibem a produção de melatonina, hormônio que regula nosso relógio biológico.
Fonte: R7